domingo, 7 de agosto de 2011

ÁGUA ORGÂNICA

Certo dia fomos, eu e um colega que, por razões óbvias de preservação da identidade, vou chamar de Z, trabalhar numa cidadela vizinha. Fevereiro, sol de quase três horas da tarde, horário de verão.  Chegamos a uma ruazinha sem asfalto que não permitia acesso a carros. Fatalmente teríamos de descer a pé até a chácara onde Z tinha de ir. Foi quando vi uma refrescante placa, quase que como uma miragem diante de meus olhos: “vende-se orgânicos”. Como meu trabalho por ali já estava concluído e o trecho que meu colega Z teria de percorrer à pé era bem acidentado, resolvi abandoná-lo em sua missão e parar por ali mesmo.
Entrei na pequena propriedade afim de adiantar o dia e não ter de parar no varejão para compras quando voltasse à minha cidade. Convidaram-me então para conhecer a horta e colher os legumes e verduras ainda no pé.  Colhi umas acerolas, andei pela singela chácara e já estava pagando pelas verduras quando chegou Z, vermelho e esbaforido do calor.
Todo educado, perguntou à senhorinha que estava no local:
_ Por favor, a senhora me arrumaria um copo de água?
E a senhora, muito gentil respondeu:
_É “craro”. O senhor quer geladinha?
_Gostaria sim, obrigado!
E eu, sem saber o que estava por vir, disparei:
_Também quero!
E do local em que estávamos, vimos a movimentação da velhota na cozinha da pequena casa. Ela correu à pia, abarrotada de louça e cheia de água, pôs a mão nas profundezas da cuba e, com a agilidade de um corisco, sacou um copo, que prontamente passou pela torneira, sem sabão ou nada que lhe fizesse as vezes. Abriu a geladeira e de lá retirou uma garrafa PET com visíveis partículas se movimentando dentro. Chegou até onde estávamos com o copo numa mão e a água noutra. Passou o copo para as mãos de Z. Horrorizados vimos o copo cheio de gordura, sujo, com um pedacinho de cebola “colado” a um dos lados.  Rio sozinha até hoje só de lembrar da cara de “meu Deus me Salva” de Z ao pegar o copo e sorver-lhe o líquido, operação que pareceu durar uma eternidade, enquanto eu mal podia me conter de vontade de explodir em gargalhadas pela dramaticidade da situação.
Esqueci-me todavia de que também manifestara previamente desejo de tomar água, no que fui prontamente interpelada pela senhorinha:
_Ô moça, cê também qué, né?_ pegando o copo da mão do pobre Z, completamente passado, e ofertando-me. Eu vi o pedacinho de cebola e minha cabeça já estava começando a rodar...não teria jeito. Não suporto nenhum cheiro em copo e estava prestes a tomar água num copo sujo, “enfeitado” e, como desgraça pouca é bobagem, “recém bebido” por outrem.
Nesse momento então, lembrei-me de que havia comprado um daqueles copinhos retráteis que usava quando criança para mostrar à minha filha, e que, pela graça do bom Deus, ainda não lhe havia entregue,  carregando-o  em minha bolsa. Mais que depressa, saquei-o:
_Ah, meu copo está aqui, obrigada!
A senhorinha então despejou a água cheia de partículas de areia ou sabe-se lá o que em meu copo que, opaco, não me permitia ver direito o líquido, sorvido sem respirar, pois o que os olhos não vêem o coração não sente. Sem olharmos um para a cara do outro, Z e eu fomos embora, sem dizer palavra, até chegarmos ao carro. Ao entrarmos, fechei a porta e caímos na gargalhada. Eu, rindo dele ter tomado aquela água “orgânica”, com pedacinho de cebola e restos mortais do almoço da senhorinha. Ele, rindo da minha rapidez de John Wayne, sacando o copo no lugar da pistola.
Aprendemos então a importante lição de levar às missões a própria água mineral, pura e imaculada.

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