Duas amigas estavam prestes a inaugurar uma butique e resolveram ir à Capital fazer as últimas compras. Para tanto, nada mais prático do que ir num ônibus de “sacoleiros”, jogo rápido: viajam à noite, dormindo, fazem as compras o dia todo e voltam, dormindo, chegando em casa por volta da meia noite. Jurei por tudo o que é mais sagrado não revelar-lhes a identidade. Cidade pequena, todo mundo conhece todo mundo, e para se cair “na boca de Matilda” é um pulinho... então vou chamá-las de X e Y. Para se ter uma idéia, X é daquelas pessoas que não têm travas na língua, sincera, ótima, quando vê já falou. Já Y é mais observadora, até tímida quando não conhece direito as pessoas. E assim foi: X e Y foram para a Capital, vuco vuco o dia todo, compra daqui, compra dali, comeram num lugar, no dizer de minha avó, “não muito católico” e subiram no ônibus para retornar. De repente, X vira para Y e diz:
_Tô com uma vontade de n.º2! E não consigo ir ao banheiro fora de casa para n.º2.
_Nossa, e não dá pra controlar?
_Fazer o que, né?
E, sem alternativa para a delicada questão, seguiram viagem. Cerca de cinco horas depois, vira daqui, revira de lá, aperta, segura, e, no melhor dizer de Veríssimo: o urubu beliscando... chegam a uma cidadela vizinha há cerca de 15Km do destino. X, vislumbrando o aconchego de seu banheiro, onde poderia reinar em paz, liga apuradíssima para o marido, que deveria buscá-la:
_Fulano, já estou chegando. Pode ir para a Rodoviária. Mas corre porque estou desesperada para fazer n.º2!
E, logo na entrada da cidade, ao lado da rodoviária, muitas luzes de carros de polícia ou ambulância, talvez.
_Ih X, seria um acidente?
_É, e pelo número de viaturas deve ter sido feio...
Já na esquina da rodoviária: surpresa! Uma “batida” policial.
_Desce todo mundo do ônibus e encostem no veículo com as mãos para cima!
Nessa hora, X, desesperada, olha para Y:
_ Não dá mais pra segurar!
_Calma, fica quieta, não há de ser nada.
E, como os policiais estavam descarregando as malas, numa demora além do normal para quem veio se espremendo por horas, X arrisca, usando o vocativo mais pejorativo e detestado pelos policiais em geral:
_”Seu guarda”, vai demorar muito?
_Vai não, por que, tá com pressa, dona?
_Tô sim, preciso fazer cocô _ nessa hora já em estado de desespero tal que nem fazia mais questão de que pudessem ouvir o que dizia e pensar mal, nem desejava tão ardentemente seu banheirinho cheiroso, limpinho e aconchegante. Encarava o banheiro xexelento do ônibus ou até uma moitinha, se não tivesse outro jeito_ e tá quase saindo...
O policial ignorou. Mais meia hora:
_Ah, Y, o negócio ta ficando meio mole, não sei se dá para segurar. Ô, seu guarda, o que é que vocês tanto procuram?
_Recebemos denúncia de que existem substâncias ilícitas nesse ônibus!
_Deixa eu explicar minha situação, seu guarda, estou com diarréia e preciso ir ao banheiro. Urgente.Posso?
_Pode sim, mas aí a senhora vira a primeira suspeita.
_ Mas será possível que vocês estão pensando que eu quero ir ao banheiro para “desovar” alguma coisa? Mas isso não tem cabimento!_disse indignada.
Y já estava desesperada. Imaginava a manchete no dia seguinte do mais famoso jornaleco local: “esposas de Fulano e Sicrano são presas por tráfico de drogas em ônibus bate e volta”. Reputação arruinada. Nem abririam mais a loja. O negócio já estaria fadado à ruína.
_Fica quieta, X!
Mas o negócio estava ficando crítico, alucinante. De repente chegam mais policiais com um cachorro. X então se desespera. Cochicha para Y:
_Menina, minha cadela, que está no cio, adora aquela sacola plástica rosa. E dormiu dois dias em cima dela. Agora aquele cachorro vai farejar a sacola, vai ficar doidão e vão pensar que somos nós as criminosas!
_Fica quietinha, não vai dar nada. O máximo que vão fazer é abrir a bendita mala e vão ver que não tem nada...
Mas antes que Y conseguisse terminar de falar, X já abrira a boca novamente:
_ E esse cachorro aí, seu guarda? Fareja só droga ou alguma outra coisa?
O policial, com cara de quem já não agüentava mais, de quem já estava prestes a cessar o falatório da madame com um “cola brinco”, respondeu, conclusivo:
_Não, dona, ele é treinado para só farejar droga.
_Viciadinho ele, não, seu guarda?
E baixinho:
_Graças a Deus, Y!
E assim, duas horas depois e sem terem encontrado as tais substâncias ilícitas no ônibus, foi o veículo liberado. X e Y voltaram pra casa. X quase beijou o chão do banheiro, no melhor estilo João Paulo II ao desembarcar em novas terras. Sentou no trono e reinou por quase meia hora e...nada! Então resolveu dormir, pois amanhã sempre é outro dia!