terça-feira, 9 de agosto de 2011

VÍRGULA MATA?


Cresci ouvindo meu pai, dedicado aprendiz e amante da língua portuguesa, contar a estória do homem que morreu de vírgula. Diz a lenda que um sujeito, condenado à morte de forca, clamou pelo perdão do rei. Sua Majestade acordara de bom humor naquele dia, resolvendo ser clemente. Perguntado sobre se devia o preso ser enforcado, respondeu, num sobressalto:
_Não matem o prisioneiro!
Mas o escriba real estava meio preguiçoso naquele dia. Sem muita vontade de pensar, de escrever, tampouco de pontuar. Então, pôs a vírgula onde não devia e a resposta do soberano ao apelo ficou assim:
_Não, matem o prisioneiro!
Nem preciso dizer qual o triste fim do pobre. Adorava quando meu pai concluía a história com a seguinte frase: “Morreu de vírgula o coitado!”
Particularmente, embora sempre gostasse de pontuação, achava meio exagerado esse negócio de morrer de vírgula. Sabe aquelas coisas bem distantes da realidade? Pois é. Até que um dia vi a estória virar história. Estava conversando com minha irmã pela internet e ela me perguntou o que havia achado da nova foto que ela havia postado. Respondi que gostara e ela, querendo “confete”, teclou:
_Irmã é sempre suspeita. Às vezes diz uma mentirinha para agradar.
Prontamente refutei, impetuosa:
_Não sou totalmente sincera! _ENTER_
_Nossa, agora fiquei arrasada! Sempre confiei em sua opinião.
Não entendi nada. Resolvi então rever o que eu poderia ter dito para causar tal reação. E qual não foi minha surpresa: a vírgula! Ou melhor, a falta dela. Mas a sorte sorriu para mim e minha querida irmã, preservando nossa amizade e confiança. Tive a rara oportunidade de corrigir meu erro. Imediatamente teclei:
_Desculpe: não , (vírgula em negrito e sublinhada) sou totalmente sincera!
Senti um alívio. Veio a resposta:
_Ah, que bom! Beijo!
Fui invadida por uma indescritível sensação de paz. Sensação de dever cumprido, de justiça.
E a todos os que me possam ouvir, exorto: cuidado no “manuseio” da vírgula. Ela pode causar sérios prejuízos à sua saúde. Física e mental. E pode matar!



domingo, 7 de agosto de 2011

ÁGUA ORGÂNICA

Certo dia fomos, eu e um colega que, por razões óbvias de preservação da identidade, vou chamar de Z, trabalhar numa cidadela vizinha. Fevereiro, sol de quase três horas da tarde, horário de verão.  Chegamos a uma ruazinha sem asfalto que não permitia acesso a carros. Fatalmente teríamos de descer a pé até a chácara onde Z tinha de ir. Foi quando vi uma refrescante placa, quase que como uma miragem diante de meus olhos: “vende-se orgânicos”. Como meu trabalho por ali já estava concluído e o trecho que meu colega Z teria de percorrer à pé era bem acidentado, resolvi abandoná-lo em sua missão e parar por ali mesmo.
Entrei na pequena propriedade afim de adiantar o dia e não ter de parar no varejão para compras quando voltasse à minha cidade. Convidaram-me então para conhecer a horta e colher os legumes e verduras ainda no pé.  Colhi umas acerolas, andei pela singela chácara e já estava pagando pelas verduras quando chegou Z, vermelho e esbaforido do calor.
Todo educado, perguntou à senhorinha que estava no local:
_ Por favor, a senhora me arrumaria um copo de água?
E a senhora, muito gentil respondeu:
_É “craro”. O senhor quer geladinha?
_Gostaria sim, obrigado!
E eu, sem saber o que estava por vir, disparei:
_Também quero!
E do local em que estávamos, vimos a movimentação da velhota na cozinha da pequena casa. Ela correu à pia, abarrotada de louça e cheia de água, pôs a mão nas profundezas da cuba e, com a agilidade de um corisco, sacou um copo, que prontamente passou pela torneira, sem sabão ou nada que lhe fizesse as vezes. Abriu a geladeira e de lá retirou uma garrafa PET com visíveis partículas se movimentando dentro. Chegou até onde estávamos com o copo numa mão e a água noutra. Passou o copo para as mãos de Z. Horrorizados vimos o copo cheio de gordura, sujo, com um pedacinho de cebola “colado” a um dos lados.  Rio sozinha até hoje só de lembrar da cara de “meu Deus me Salva” de Z ao pegar o copo e sorver-lhe o líquido, operação que pareceu durar uma eternidade, enquanto eu mal podia me conter de vontade de explodir em gargalhadas pela dramaticidade da situação.
Esqueci-me todavia de que também manifestara previamente desejo de tomar água, no que fui prontamente interpelada pela senhorinha:
_Ô moça, cê também qué, né?_ pegando o copo da mão do pobre Z, completamente passado, e ofertando-me. Eu vi o pedacinho de cebola e minha cabeça já estava começando a rodar...não teria jeito. Não suporto nenhum cheiro em copo e estava prestes a tomar água num copo sujo, “enfeitado” e, como desgraça pouca é bobagem, “recém bebido” por outrem.
Nesse momento então, lembrei-me de que havia comprado um daqueles copinhos retráteis que usava quando criança para mostrar à minha filha, e que, pela graça do bom Deus, ainda não lhe havia entregue,  carregando-o  em minha bolsa. Mais que depressa, saquei-o:
_Ah, meu copo está aqui, obrigada!
A senhorinha então despejou a água cheia de partículas de areia ou sabe-se lá o que em meu copo que, opaco, não me permitia ver direito o líquido, sorvido sem respirar, pois o que os olhos não vêem o coração não sente. Sem olharmos um para a cara do outro, Z e eu fomos embora, sem dizer palavra, até chegarmos ao carro. Ao entrarmos, fechei a porta e caímos na gargalhada. Eu, rindo dele ter tomado aquela água “orgânica”, com pedacinho de cebola e restos mortais do almoço da senhorinha. Ele, rindo da minha rapidez de John Wayne, sacando o copo no lugar da pistola.
Aprendemos então a importante lição de levar às missões a própria água mineral, pura e imaculada.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

O “URUBU” E AS SACOLEIRAS



Duas amigas estavam prestes a inaugurar uma butique e resolveram ir à Capital fazer as últimas compras. Para tanto, nada mais prático do que ir num ônibus de “sacoleiros”, jogo rápido: viajam à noite, dormindo, fazem as compras o dia todo e voltam, dormindo, chegando em casa por volta da meia noite. Jurei por tudo o que é mais sagrado não revelar-lhes a identidade. Cidade pequena, todo mundo conhece todo mundo, e para se cair “na boca de Matilda” é um pulinho... então vou chamá-las de  X e Y. Para se ter uma idéia, X é daquelas pessoas que não têm travas na língua, sincera, ótima, quando vê já falou. Já Y é mais observadora, até tímida quando não conhece direito as pessoas.      E assim foi: X e Y  foram para a Capital, vuco vuco o dia todo, compra daqui, compra dali, comeram num lugar, no dizer de minha avó, “não muito católico” e subiram no ônibus para retornar. De repente, X vira para Y e diz:
_Tô com uma vontade de n.º2! E não consigo ir ao banheiro fora de casa para n.º2.
_Nossa, e não dá pra controlar?
_Fazer o que, né?
E, sem alternativa para a delicada questão, seguiram viagem. Cerca de cinco horas depois, vira daqui, revira de lá, aperta, segura, e, no melhor dizer de Veríssimo: o urubu beliscando... chegam a uma cidadela vizinha há cerca de 15Km do destino. X, vislumbrando o aconchego de seu banheiro, onde poderia reinar em paz, liga apuradíssima para o marido, que deveria buscá-la:
_Fulano, já estou chegando. Pode ir para a Rodoviária. Mas corre porque estou desesperada para fazer n.º2!
E, logo na entrada da cidade, ao lado da rodoviária, muitas luzes de carros de polícia ou ambulância, talvez.
_Ih X, seria um acidente?
_É, e pelo número de viaturas deve ter sido feio...
Já na esquina da rodoviária: surpresa! Uma “batida” policial.
_Desce todo mundo do ônibus e encostem no veículo com as mãos para cima!
Nessa hora, X, desesperada, olha para Y:
_ Não dá mais pra segurar!
_Calma, fica quieta, não há de ser nada.
E, como os policiais estavam descarregando as malas, numa demora além do normal para quem veio se espremendo por horas, X arrisca, usando o vocativo mais pejorativo e detestado pelos policiais em geral:
_”Seu guarda”, vai demorar muito?
_Vai não, por que, tá com pressa, dona?
_Tô sim, preciso fazer cocô _ nessa hora já em estado de desespero tal que nem fazia mais questão de que pudessem ouvir o que dizia e pensar mal, nem desejava tão ardentemente seu banheirinho cheiroso, limpinho e aconchegante. Encarava o banheiro xexelento do ônibus ou até uma moitinha, se não tivesse outro jeito_ e tá quase saindo...
O policial ignorou. Mais meia hora:
_Ah, Y, o negócio ta ficando meio mole, não sei se dá para segurar. Ô, seu guarda, o que é que vocês tanto procuram?
_Recebemos denúncia de que existem substâncias ilícitas nesse ônibus!
_Deixa eu explicar minha situação, seu guarda, estou com diarréia e preciso ir ao banheiro. Urgente.Posso?
_Pode sim, mas aí a senhora vira a primeira suspeita.
_ Mas será possível que vocês estão pensando que eu quero ir ao banheiro para “desovar” alguma coisa? Mas isso não tem cabimento!_disse indignada.
Y já estava desesperada. Imaginava a manchete no dia seguinte do mais famoso jornaleco local: “esposas de Fulano e Sicrano são presas por tráfico de drogas em ônibus bate e volta”. Reputação arruinada. Nem abririam mais a loja. O negócio já estaria fadado à ruína.
_Fica quieta, X!
Mas o negócio estava ficando crítico, alucinante. De repente chegam mais policiais com um cachorro. X então se desespera. Cochicha para Y:
_Menina, minha cadela, que está no cio, adora aquela sacola plástica rosa. E dormiu dois dias em cima dela.  Agora aquele cachorro vai farejar a sacola, vai ficar doidão e vão pensar que somos nós as criminosas!
_Fica quietinha, não vai dar nada. O máximo que vão fazer é abrir a bendita mala e vão ver que não tem nada...
Mas antes que Y conseguisse terminar de falar, X já abrira a boca novamente:
_ E esse cachorro aí, seu guarda? Fareja só droga ou alguma outra coisa?
O policial, com cara de quem já não agüentava mais, de quem já estava prestes a cessar o falatório da madame com um “cola brinco”, respondeu, conclusivo:
_Não, dona, ele é treinado para só farejar droga.
_Viciadinho ele, não, seu guarda?
E baixinho:
_Graças a Deus, Y!
E assim, duas horas depois e sem terem encontrado as tais substâncias ilícitas no ônibus, foi o veículo liberado. X e Y voltaram pra casa. X quase beijou o chão do banheiro, no melhor estilo João Paulo II ao desembarcar em novas terras. Sentou no trono e reinou por quase meia hora e...nada! Então resolveu dormir, pois amanhã sempre é outro dia!

sexta-feira, 29 de julho de 2011

POBREMA, POBLEMA OU PROBLEMA???????

Há muitos anos atrás, no século passado, fui assistir às aulas de português de uma professora muito afamada de minha cidade num cursinho. Lotação esgotada. Todos aguardavam a mestra ansiosamente. A primeira aula seria de ortografia. E por falar em ortografia, eu e meu cunhado (e fiel escudeiro, companheiro de todas as "estudanças") não pudemos deixar de ouvir a conversa entabulada entre duas moçoilas que estavam sentadas à nossa frente.
A primeira, com caneta de pluminhas cor de rosa:
_ Por falar em ortografia, o certo é "poblema" ou "pobrema"? 
A outra, com ar de inteligência, portando uma canetinha que ostentava uma florzinha presa à ponta por uma minúscula mola, respondeu, seriíssima:
_Depende. Se for caso de saúde, é "pobrema". Se for assim, da vida pessoal ou do trabalho, aí é "poblema"...agora, se for de matemática, é sempre PROBLEMA.
A primeira das mocinhas,  orgulhosa e completamente convencida do brilhantismo da colega, entusiasticamente exclamou:
_Ah, tá!
E começaram a falar sobre as cores dos esmaltes de unha de uma e de outra.
Eu e meu cunhado até hoje nos lembramos do episódio como quem se recorda de uma abdução por alienígenas: vimos, ouvimos, estávamos ali, em carne e osso, mas teria sido aquilo real ou mero produto de nossa imaginação?????????

Renata Pinheiro Nogueira Nicolau

_Dona Leonooooooooor!

De posse de um documento que precisava urgentemente ser entregue, rumei apressadamente a uma cidadezinha vizinha, à procura de uma tal Leonor dos Anzóis (uso "dos Anzóis" para um sobrenome cuja identidade desejo preservar ou quando não me recordo mesmo do sobrenome verdadeiro). Não tive nenhuma dificuldade para chegar ao endereço, precisamente indicado. Para a alegria de meu pai, que acha uma grosseria gritar o nome das pessoas para chamá-las, no local não havia campainha. Então, à finíssima Lady nada restou senão chamar pela destinatária do documento. Comecei timidamente, em tom quase que gutural, batendo palmas e falando rapidinho:
_Dona Leonor! Dona Leonor!
Nada. Ninguém.
Caprichei nas palmas e aumentei o volume de 2 para uns 5,5, mais ou menos:
_Dona Leonoor! Dona Leonoor!
Do local ninguém veio, mas a vizinha do lado botou a cara para fora, rapidamente, e deu um sorrisinho, sem nada dizer, voltando ao seu castelo. Deixei a timidez de lado, aumentei meu volume ao máximo e, com toda a força que a minha taquara rachada permitiu, gritei a plenos pulmões:
_Dona Leonooooooooooooooooooooor! Dona Leonoooooooooooooooooooooooooooooooooorrrrrrrrrr!
Foi quando, da casinha situada lá nos confins do terreno, surgiu uma senhorinha que devia ter uns oitenta e tantos anos, bem magrinha mas muito arretada, que, com um vozeirão de fazer inveja ao William Bonner, chamou alguém lá de dentro:
_Nonôôôôô! Nonôôôôô! Tem uma moça aqui . E tá "le chamano de mulé"!
E saiu então o "seu " Leonor, cabra macho, de cuja cara não consigo me lembrar tamanho o constrangimento por ter lhe alterado o gênero. Gafe imperdoável. Com cara de poucos amigos, praticamente arrancou-me o documento das mãos, assinando após o "X" e devolvendo-me a prancheta num gesto nada amistoso. Virou-se de costas e, ofendidíssimo, retornou para seu claustro. Fiquei ali, sozinha se não fossem alguns passantes e vizinhos que nem percebi estarem ali, curiosos e rindo da situação.
Então, um conselho precioso àqueles que porventura se depararem com uma casinha sem campainha em cujo interior exista uma pessoa desconhecida que necessitem, por estrito cumprimento do dever legal, chamar: NÃO USEM ARTIGO DEFINIDO ANTES DO NOME! Gritem, esperneiem, chorem, clamem com toda a força de suas gargantas SOMENTE O NOME DA PESSOA. Nunca se sabe quem virá atender a porta.